Exposição mostra olhar de Sebastião Salgado sobre Revolução dos Cravos
Naquele dia 25 de abril de 1974, há 50 anos, Portugal despertou ao som dos versos Dentro de ti, ó cidade. O povo é quem mais ordena. Terra da fraternidade. Grândola, Vila Morena. A canção de José Afonso, que havia sido proibida pela ditadura de António Oliveira Salazar, marcava o início da Revolução dos Cravos, que restabeleceu a democracia no país.
A canção pode ser ouvida em uma das salas do Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo, fazendo fundo a uma exposição do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado chamada 50 anos da Revolução dos Cravos em Portugal.
Essa é apenas uma das sete exposições fotográficas que o museu inaugura nesta sexta-feira (10), na capital paulista, e que compõe o evento já tradicional Maio Fotografia no MIS. “A fotografia tem importância enorme na construção da comunicação.
E é óbvio que o MIS precisava ter este momento dedicado à fotografia que representa, exatamente dessa janela, a fração de segundo em que vemos o momento acontecer.
Estamos muito felizes pelo Maio Fotografia no MIS estar voltando ao museu”, disse Marilia Marton, secretária de Cultura, Economia e Indústria Criativas do estado de São Paulo.
A curadoria do evento é de André Sturm, diretor-geral do museu. “São sete exposições e o destaque é uma inédita do Sebastião Salgado.
É o primeiro trabalho que ele fez e que nunca tinha sido apresentado como exposição.
A Revolução dos Cravos ocorreu quando a ditadura de Portugal desmoronou. E foi chamada de Revolução dos Cravos porque ocorreu sem tiros e porque a população depositava cravos nos tanques.
Foi um momento de mudança para um processo democrático.
E o Sebastião estava lá e cobriu esse processo”, disse Sturm.
A mostra traz dezenas de fotos inéditas, em preto e branco, que foram tiradas pelo fotógrafo brasileiro no início da carreira.
Naquele momento, ele e sua esposa, Lélia Wanick Salgado, viviam exilados na Europa por causa da ditadura militar no Brasil. “Éramos altamente ligados aos grupos que lutavam contra a ditadura. Tivemos que sair rápido do país, senão seríamos presos e torturados”, disse Salgado em entrevista nessa quinta-feira (9).
“Nós [ele e Lélia] estávamos começando a fotografia. Ainda não tinha um ano que eu fazia fotografia e não tinha encomenda de jornal nenhum.
Fomos [de Paris, onde viviam na época, a Portugal] por nós mesmos. Eu não tinha dinheiro para comprar os filmes. Na época, a Lélia também fazia fotografia”, contou.
Foi em Portugal, cobrindo a Revolução dos Cravos, que sua carreira começou. “Portugal, para nós, foi uma aventura colossal.
Primeiro, uma aventura política, porque participamos do sistema, toda a esquerda do mundo inteiro veio para Portugal que, sendo uma ditadura, tinha a possibilidade de criar um país libertário.
Para mim, foi o início da carreira de fotógrafo. Foi em Portugal que aprendi a construir uma história em fotografia”, afirmou.
Naquela época, Lélia também fotografava e tinha acabado de ter o filho Juliano. “Eu fazia fotografia, também estava realmente engajada na história de Portugal.
Foi uma coisa maravilhosa a gente ver e viver uma transição democrática que ocorreu na nossa língua, enquanto aqui no Brasil ainda havia uma ditadura tão terrível.
Eu era a única fotógrafa que conseguia entrar no pátio do Palácio com o carro porque tinha uma criancinha junto”, contou ela.
Passados 50 anos, Lélia e Sebastião, que sempre trabalharam juntos, revisitaram o material produzido na época para a mostra do MIS. Lélia, por exemplo, é responsável pela curadoria e cenografia da exposição.
“A história da nossa vida teve sempre tudo muito ligado. Nada que aconteceu a gente fez sozinho.
Em todos os projetos, trabalhamos juntos, pensamos juntos, fizemos as pesquisas. O Sebastião ia fotografar e eu ficava lá vendendo as fotos, eu fazia todo o trabalho que realmente um fotógrafo não consegue fazer”.
Entre as fotos que são apresentadas na exposição está a de uma menina marchando descalça no asfalto, seguida de perto por mais três crianças, à frente de um batalhão de soldados.
Há também imagens de trabalhadores ocupando fazendas e retratos de tropas do Exército português.
Para Salgado, a mostra reflete sua visão sobre o que se passou em Portugal naquele momento.
“A fotografia é uma coisa muito interessante. Primeiro porque ela não é objetiva; é profundamente subjetiva. Não conta nenhuma verdade, mas a interpretação de um fato, de uma realidade. Se está acontecendo alguma coisa, minha fotografia vai exprimir o que está ocorrendo, mas segundo o meu contexto”.
Além da sala com fotos de Sebastião Salgado, o MIS está inaugurando mais seis exposições, com obras de artistas nacionais e internacionais já consagrados ou novos talentos.
Entre elas estão Infravermelho, uma Realidade Oculta – Nova Fotografia, a primeira mostra individual de Bruno Mathias, 40 anos. “Essa é a minha primeira exposição individual. É é uma experiência incrível, uma realização”, disse ele à Agência Brasil.
O trabalho de Mathias apresenta fotografias mais experimentais. “Sempre gostei muito desse tipo de trabalho, uma maneira nova de fazer fotografia.
Eu sempre aproveitava algumas lentes. E acabei conseguindo uma câmera, por meio de um amigo que faz manutenção de equipamentos fotográficos, e pedi que ele a convertesse para capturar o infravermelho.
O que estamos vendo na exposição é algo que não enxergamos [em realidade]”, afirmou.
Outra mostra em cartaz no MIS é Encontros, de Thereza Eugênia, uma fotógrafa baiana que registrou, de forma íntima, o convívio de diversos artistas brasileiros como Caetano Veloso, Gal Costa, Alcione e Roberto Carlos.
“Ela foi morar no Rio de Janeiro, comprou uma câmera, começou a fotografar shows e acabou ficando bem próxima dos principais nomes da época.
Ela fez até capas de discos. Temos aqui esse bastidor, de festas, encontros e casas das pessoas”, explicou Sturm.
Há também a mostra 10 anos de Guerras sem Fim, de Gabriel Chaim, experiente fotojornalista paraense que cobriu diversas guerras e apresenta o registro dos seus últimos dez anos na linha de frente.
“Essa exposição mostra para a sociedade o quanto existe um universo paralelo acontecendo.
É uma humanidade gritando por socorro ou que foge de guerras, se tornando refugiados.
Há cidades sendo bombardeadas e destruídas”, contou Chaim, em entrevista à Agência Brasil e à TV Brasil.
“Isso mostra como é devastadora uma guerra”.
As outras exposições são Mulheres na Frente e por Trás das Câmeras, do Acervo MIS, que reúne trabalhos de quatro fotógrafas engajadas e com diferentes perspectivas por trás das lentes; Como a História foi Contada, da Coleção Allan Porter, que traz imagens icônicas do século 20, como as fotos da Guerra do Vietnã; e Uma Rua Chamada Cinema, de Sergio Poroger, que apresenta imagens de cinemas de rua que fecharam ou que resistem no Brasil e no mundo.
“São exposições bem variadas, mas que tem um caráter documental”, disse Sturm.
A programação inclui ainda lançamentos de livros, mostras paralelas, conversas com artistas, cursos e diversas atividades relacionadas ao mundo da fotografia.
Mais informações sobre o Maio Fotografia no MIS podem ser encontradas no site do museu.
A entrada é gratuita às terças-feiras e também na terceira quarta-feira do mês.
*Com informações da Agência Brasil
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